Citando dados da Organização Internacional para as Migrações (OIM), a organização não-governamental (ONG) refere que mais de 800 mil crianças atravessaram a fronteira do Irão e do Paquistão para o Afeganistão este ano, com cerca de três quartos a partirem do Irão.
“Este número representa o dobro do total do ano passado, quando ambos os países estabeleceram prazos para a saída de migrantes e refugiados sem documentos”, adianta a Save The Children.
Depois de quatro anos a viver fora do país, de onde milhões de afegãos fugiram quando os talibãs regressaram ao poder, em 2021, os Estados vizinhos consideram que a pressão nos serviços básicos, habitação e nas próprias comunidades de acolhimento é demasiada e decidiram forçar os migrantes a voltar à sua origem.
“O Afeganistão enfrenta uma nova crise migratória, quatro anos após o regresso dos talibãs ao poder”, admite a ONG, que está sobretudo preocupada com a situação das crianças.
“Milhares de crianças estão a atravessar a fronteira para o Afeganistão sem pais ou tutores, trazendo apenas o que conseguem transportar”, alerta.
“Muitas são estrangeiras na sua terra natal, nascidas nos países vizinhos ou a passar anos como refugiadas ou migrantes”, acrescenta, descrevendo alguns exemplos.
“Omid [nome fictício para proteger a identidade do menor], de 12 anos, foi obrigado a abandonar o Paquistão e a mudar-se para o Afeganistão com os seus nove irmãos e irmãs”, conta a Save the Children.
“Eu estava na madraça (uma escola religiosa) quando o meu pai entrou a correr e disse que tínhamos de ir embora”, relata Omid, citado pela ONG, adiantando que fizeram as malas rapidamente e entraram num camião grande com outras pessoas.
“Estava calor. Não tínhamos comida nem água. Quero que encontremos uma casa, vamos à escola e voltemos a ter uma boa vida. Quero sentir-me seguro e fazer algo por mim”, afirma o menor, em declarações recolhidas pela ONG.
O pai de Omid, Feroz, também citado pela Save the Children, explica que a família deixou o Paquistão “de mãos vazias e corações partidos” e atualmente não tem casa, emprego ou qualquer forma de se sustentar.
“Nós, afegãos, estamos sempre em movimento. Mas eu não queria esta vida para os meus filhos. Perdemos a nossa casa, os nossos livros e até as nossas fotografias de família. Levámos apenas o que podíamos transportar, sobretudo roupas e documentos importantes. O resto, tivemos de deixar. Foi como fugir de um incêndio”, descreve.
Segundo lembra a Save The Children, mesmo antes do súbito aumento de pessoas a regressar ao Afeganistão, quase metade da população necessitava de ajuda humanitária e uma em cada cinco crianças estava em níveis críticos de fome.
Ao mesmo tempo, o Afeganistão “enfrenta também deslocações internas em massa, com muitas crianças forçadas a abandonar as suas casas devido a eventos climáticos”, reforça a organização.
“A escala e o ritmo do regresso de pessoas ao Afeganistão neste momento não têm precedentes. Estamos à beira de uma crise humanitária em grande escala como nunca vimos antes”, alerta a diretora de Estratégia da Save the Children no Afeganistão, Samira Sayed Rahman.
“As consequências dos cortes massivos na ajuda humanitária neste ano deixaram as equipas humanitárias sobrecarregadas pelo enorme volume de necessidades. E são as crianças que vão pagar o preço mais elevado”, frisa a representante.
Por isso, a organização pede aos países da região que não forcem os regressos ao Afeganistão, garantindo que quem volta o faz de forma voluntária, segura e digna, e acrescenta que, no caso das crianças, especialmente as que não têm tutores, obrigá-las a partir “pode aumentar o risco de exploração, abuso e negligência”.
Por outro lado, a organização pede mais doações à comunidade internacional para satisfazer as necessidades de quem chega à fronteira e para ajudar um restabelecimento a longo prazo.
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