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A emoção na política: o papel das afetividades na disputa por corações e mentes

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Por Yuri Almeida:

A comunicação política eficaz não se limita à apresentação de dados e argumentos racionais. Ela opera também no campo das emoções e das afetividades, que exercem uma influência poderosa nas decisões políticas (Marcus, Neuman, & MacKuen, 2000). Pesquisas em ciência política e psicologia social demonstram que o medo, a esperança, a raiva, o orgulho e a empatia moldam as preferências políticas e a participação cívica (Westen, 2007).

Em “Upheavals of Thought: The Intelligence of Emotions” (2001), Martha Nussbaum argumenta que as emoções não são meros sentimentos irracionais, mas sim avaliações cognitivas complexas sobre coisas que valorizamos. Para ela, as emoções envolvem julgamentos sobre eventos externos e nosso próprio bem-estar em relação a esses eventos. Compreender a estrutura cognitiva das emoções é crucial para a justiça, pois elas nos revelam o que consideramos importante e vulnerável em nossas vidas e nas vidas dos outros. Emoções como a compaixão, a raiva justa e o medo podem nos alertar para injustiças e motivar a ação em prol da equidade e do bem comum.

Nussbaum critica abordagens puramente racionais da justiça que negligenciam o papel das emoções na motivação moral e na percepção da vulnerabilidade alheia. Para a autora, a capacidade de sentir empatia e indignação diante da injustiça é fundamental para a construção de uma sociedade mais humana e equitativa. Portanto, a educação emocional e a consideração das emoções no debate público e nas decisões políticas são elementos essenciais para a realização da justiça.

A esquerda, historicamente, tendeu a privilegiar discursos racionais e ideológicos, subestimando o papel das emoções na política. Essa abordagem, embora valorize a consistência e a coerência teórica, pode alienar o público, que muitas vezes busca narrativas que ressoem com suas experiências e sentimentos. É preciso reconhecer que as pessoas não decidem apenas com base em fatos, mas também com base em valores, identidades e laços afetivos.

Em “Inclusion and Democracy” (2000), Iris Marion Young critica a concepção tradicional de “razão pública” como um domínio de argumentação imparcial e desapaixonada, acessível apenas a indivíduos racionais e abstratos. Ela argumenta que essa visão exclui formas de comunicação e expressão que são cruciais para a participação democrática de grupos marginalizados, como narrativas pessoais, retórica apaixonada e apelos à emoção. Young propõe, então, o conceito de “emoção pública” como uma dimensão legítima e importante da deliberação democrática.

Para Young, as emoções não são necessariamente irracionais ou obstáculos à razão, mas podem comunicar informações valiosas sobre experiências de injustiça, sofrimento e necessidades específicas de determinados grupos. Expressar emoções publicamente pode trazer à tona perspectivas negligenciadas, desafiar normas estabelecidas e fomentar a empatia e a compreensão entre os cidadãos. Ao reconhecer a legitimidade da “emoção pública”, Young busca expandir a noção de comunicação política inclusiva, permitindo que uma gama mais ampla de vozes e experiências contribua para a formação da opinião pública e
para a tomada de decisões democráticas mais justas e equitativas.

Reverter essa tendência exige um esforço para desenvolver campanhas que, sem abrir mão do rigor analítico e da defesa de princípios, saibam construir narrativas que inspirem pertencimento, esperança e orgulho coletivo. A arte, a música, o teatro e outras formas de expressão cultural podem ser utilizadas para criar laços emocionais e mobilizar o engajamento político.

Em “The Political Mind: Why You Can’t Understand 21st-Century American Politics with an 18th-Century Brain” (2008), George Lakoff argumenta que a política é profundamente estruturada por metáforas inconscientes que moldam a forma como pensamos sobre questões sociais e políticas. Essas metáforas não são apenas figuras de linguagem, mas sim estruturas cognitivas fundamentais que influenciam nosso raciocínio, nossas emoções e nossas decisões políticas. Lakoff demonstra como diferentes visões políticas são frequentemente baseadas em metáforas centrais distintas, como a metáfora da família (com modelos como o “pai rigoroso” para conservadores e o “pai/mãe carinhoso” para progressistas), que influenciam a forma como as pessoas entendem conceitos como autoridade, responsabilidade e cuidado.

Associado ao conceito de metáfora está o framing. Para Lakoff, o framing é o processo de definir um problema ou questão de uma certa maneira, ativando certas metáforas e, consequentemente, certas inferências e soluções. Um framing eficaz pode influenciar a opinião pública ao apresentar uma questão dentro de uma estrutura cognitiva que favorece uma determinada perspectiva. Lakoff enfatiza que a batalha política é, em grande parte, uma batalha pelo framing – quem consegue definir os termos do debate e ativar as metáforas certas tem uma vantagem significativa na persuasão e na conquista do apoio popular. Compreender as metáforas subjacentes e os frames utilizados no discurso político é crucial para analisar e influenciar a opinião pública de forma eficaz.

 

Yuri Almeida é professor, estrategista político e especialista em marketing eleitoral

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