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AI acusa Hamas de atacar palestinianos que criticam grupo

Num comunicado, a organização de defesa dos direitos humanos avançou que documentou “um padrão perturbador de ameaças, intimidação e assédio, incluindo interrogatórios e espancamentos por parte das forças de segurança do Hamas” contra manifestantes pacíficos.

 

Este comportamento do Hamas, sublinhou a Amnistia Internacional, é ainda mais perturbador quando a população de Gaza enfrenta “um genocídio em curso” e uma “escalada dos bombardeamentos [de Israel] e deslocações em massa”.

Segundo a organização não-governamental (ONG), “desde 25 de março que os habitantes de Beit Lahia, uma cidade na província do norte de Gaza, organizam várias manifestações a exigir o fim do genocídio e da deslocação ilegal de Israel. Estes protestos atraíram centenas, senão milhares, de palestinianos” e, nesses protestos, “os manifestantes gritam palavras de ordem e seguram cartazes que criticam as autoridades lideradas pelo Hamas em Gaza”.

Algumas pessoas pedem mesmo o fim do governo do Hamas, adiantou a Amnistia Internacional, acrescentando que também decorreram protestos de menores dimensões no campo de refugiados de Jabalia, Shuja’iya e Khan Yunis.

A Amnistia Internacional entrevistou 12 pessoas — 10 homens e duas mulheres — que participaram ou organizaram protestos e familiares de outros três manifestantes que disseram ter sido ameaçados se decidissem continuar a protestar.

A ONG relatou que os entrevistados descreveram incidentes em que pessoas que participaram em protestos foram levadas para interrogatórios que não seguiram os procedimentos formais, foram espancadas com paus e, em alguns casos, ameaçadas de serem baleadas.

“Fui espancado no pescoço e nas costas com paus de madeira. Gritaram comigo(…). Acusaram-me de ser um traidor — um colaborador da Mossad [serviços secretos israelitas]. Disse-lhes que íamos para a rua porque queríamos viver, queríamos comer e beber…”, descreveu um residente de Al-Atatra, em Beit Lahia, citado pela organização internacional.

“Perdi a minha família num dos piores massacres desta guerra, cinco dos meus irmãos e os seus filhos foram mortos. Foi horrível ser chamado de colaborador, ter o meu patriotismo posto em causa, quando a minha família foi exterminada”, lamentou o manifestante, acrescentando que as autoridades que lideram Gaza falharam para com os seus cidadãos.

“Embora as pessoas saibam que a culpa é de Israel, também sentem que as autoridades do Hamas não veem o sofrimento”, disse.

O palestiniano adiantou só ter sido libertado após quase quatro horas de detenção e interrogatório e adiantou ter recebido ordens para não participar em mais protestos.

“As autoridades do Hamas têm de cessar imediatamente todas as medidas repressivas contra os palestinianos que manifestam corajosa e abertamente a sua oposição às práticas do Hamas em Gaza”, defendeu a diretora sénior de Investigação, Advocacia, Políticas e Campanhas da Amnistia Internacional, Erika Guevara-Rosas, no comunicado hoje divulgado.

E acrescentou: “Os relatos de espancamentos, ameaças e interrogatórios são extremamente alarmantes e constituem graves violações dos direitos à liberdade de expressão e de reunião pacífica”.

A representante referiu igualmente que esta situação “é repugnante e vergonhosa” porque as autoridades do Hamas, que controlam a Faixa de Gaza desde 2007, estão a agravar ainda mais o sofrimento da população, “intensificando as ameaças e a intimidação a pessoas simplesmente por dizerem ‘queremos viver'”.

“Temos o direito de viver com dignidade. Começámos a manifestar-nos porque queremos uma solução para o nosso sofrimento. Ninguém nos incitou ou nos disse para protestar”, afirmou ainda o manifestante ouvido pela Amnistia Internacional.

“As pessoas estão a protestar porque não conseguem viver, querem mudanças. As forças de segurança vieram ameaçar-nos e espancar-nos, acusando-nos de traidores, simplesmente por levantarmos a voz”, acusou, garantindo que os palestinianos continuarão a protestar, “independentemente dos riscos”.

A guerra eclodiu em Gaza após um ataque sem precedentes do grupo islamita palestiniano Hamas em solo israelita, em 07 de outubro de 2023, que causou cerca de 1.200 mortos e mais de duas centenas de reféns.

Após o ataque do Hamas, Israel desencadeou uma ofensiva em grande escala na Faixa de Gaza, que provocou mais de 54 mil mortos, na maioria civis, e um desastre humanitário, desestabilizando toda a região do Médio Oriente.

Desde que passou a controlar Gaza, em 2007, e estabeleceu um aparelho paralelo de segurança e aplicação da lei, o Hamas impôs severas restrições à liberdade de associação, expressão e reunião pacífica, usando, muitas vezes, força física para responder a movimentos de protesto.

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