O partido nacionalista Sanseito foi a grande surpresa das eleições para a câmara alta do parlamento do Japão, ao passar de dois para 14 lugares. Com este resultado, tornou-se no terceiro maior grupo da oposição.
O Sanseito rejeitou o casamento entre pessoas do mesmo sexo, defendeu restrições à diversidade de género e a reforma da Constituição para eliminar disposições sobre direitos humanos e liberdade de religião.
O padre moçambicano Hipólito Vida alertou que restringir a liberdade de religião seria “um desastre” para a comunidade católica, que representa menos de 1% dos 125 milhões de habitantes do Japão.
“Já somos poucos, vamos ser ainda muito mais poucos”, disse o pároco de Sennan, Kinokawa e Misaki, três paróquias rurais na região de Osaka (centro-sul), onde muitas das famílias católicas são descendentes dos “kakure kirishitan”.
Estes “cristãos ocultos/escondidos” sobreviveram na clandestinidade à perseguição e torturas dos cristãos no século XVII, uma “história dramática do Japão” recordada pelo padre português Nuno Lima.
“A liberdade religiosa é liberdade de consciência, de cada um poder viver segundo aquilo em que acredita. Portanto, quando se tira isso, está-se a tirar uma parte importante da dignidade de cada um”, disse o pároco na Catedral de Osaka.
Mesmo que o desempenho eleitoral do Sanseito não leve a uma mudança da Constituição, Hipólito Vida teme que o discurso da extrema-direita adense o estigma em torno dos cristãos.
“Temos que estar preparados para esta realidade”, disse o moçambicano, que previu que os mais afetados seriam os jovens japoneses, “que trabalham muito, fazem muita coisa, mas não têm tempo para a religião”.
Nuno Lima, há 25 anos no Japão, diz que a cultura “faz muita distinção entre o que é japonês e o que não é”. Ao contrário do xintoísmo e do budismo, “o cristianismo continua com essa carga de ser uma religião vinda do estrangeiro”, admitiu.
Durante a campanha, o Sanseito apostou também numa retórica xenófoba, em que ligou a criminalidade à imigração e prometeu regras mais apertadas para a atribuição de residência e excluir os estrangeiros dos benefícios sociais.
O Governo adotou parcialmente o discurso anti-imigração e, na terça-feira, inaugurou um gabinete para questões ligadas aos residentes estrangeiros, prometendo ouvir as preocupações dos japoneses.
No final do ano passado, o Japão contava com milhões de residentes estrangeiros, um máximo histórico, mas que apenas representa 3% da população. A sexta maior comunidade estrangeira é oriunda do Brasil.
Hipólito Vida, responsável pela pastoral brasileira da arquidiocese de Osaka-Takamatsu, disse que a discriminação sempre foi algo que os estrangeiros tiveram de enfrentar.
“Se, de certa forma, já andavam preocupados, imagina agora com esta nova realidade”, acrescentou o moçambicano.
“O meu medo é o pessoal desanimar e querer regressar aos seus países”, face ao “medo do amanhã”, explicou Vida.
O missionário justificou a ascensão do Sanseito com “o grito de desespero de um grupo [de pessoas] por acreditar que o Japão está a ser invadido por estrangeiros”.
“Mas não existe nenhum país que por si só cresce. Nós precisamos da entreajuda. A interculturalidade é algo muito bom”, defendeu Vida.
Na catedral de Osaka-Takamatsu, onde todas as semanas são celebradas missas em japonês, inglês, vietnamita e coreano, Nuno Lima disse que parte dos estrangeiros procuram respeitar “o valor principal” da cultura local, a harmonia.
O pároco deu como exemplo os naturais do Vietname – a segunda maior comunidade estrangeira no Japão – que “fazem um esforço enorme para aprender japonês, para respeitar as regras”, apesar da natural “diferença cultural”.
“Quando há um mal-estar na sociedade procura-se sempre aquele que é um pouco um bode expiatório. Os estrangeiros, estando em minoria, estando num país que não é seu, são sempre vítimas fáceis”, lamentou Lima.
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