O trânsito mantém-se tímido nas principais vias da capital angolana, onde é visível a presença de viaturas blindadas da Polícia de Intervenção Rápida e de militares das Forças Armadas Angolanas, destacados para evitar novos distúrbios.
As poucas bombas de combustível em funcionamento estão fortemente protegidas por agentes policiais, e já se formam filas, sinal de um regresso cauteloso à rotina.
A Cidade da China, um dos maiores centros comerciais de Luanda, barricou-se com contentores e arame farpado e reforçou a segurança, incluindo patrulhas policiais, para dissuadir tentativas de invasão — algumas das quais foram convocadas através das redes sociais.
Em declarações à Lusa, Helena Xiang, diretora da Cidade da China, explicou que, por causa do vandalismo, foi necessário agir para proteger os lojistas e os seus bens.
“Por isso tivemos de fechar. Com suporte da Polícia Nacional, agora temos confiança que a situação vai ser controlada”, disse, referindo-se à gigantesca área comercial com 400 lojas e que gera cerca de 10 mil empregos diretos e indiretos.
O principal impacto da greve é “não conseguir fazer negócio e os lojistas estarem a sofrer prejuízos”, acrescentou, garantindo que os funcionários não serão prejudicados nos seus salários porque “é um caso especial”.
Marcelina Joaquim Germano, funcionária da PEP — cadeia popular de vestuário e artigos para o lar —, viveu momentos de terror na segunda-feira, quando a loja no Calemba 2 foi invadida: “ficámos como se fôssemos reféns, trancados na casa de banho durante uma hora”.
“Era por volta das 9 da manhã quando começámos a sentir a movimentação e vimos a multidão a agigantar-se. Uma senhora disse que convinha fechar e ir para casa, porque tinha um grupo que estava a vandalizar e a fazer estragos. Seguimos o conselho e fechámos a porta”, contou à Lusa.
Mas já não foram a tempo. A multidão partiu os vidros e os funcionários despiram as fardas e tentaram fugir, acabando por se trancar na casa de banho.
Os saqueadores que traziam facas, garrafas e paus deixaram os trabalhadores sair, mas Marcelina continua assustada.
“Só agora consegui sair de casa para ir à praça”, disse.
Quanto à loja “já não tem nada. Tudo foi roubado, é uma perda total”.
E Marcelina pergunta-se: “Como é que vamos ficar? Temos criança, temos marido, como é que vamos ficar?”, dizendo que não esperava que fossem estas as consequências da greve, apesar de se mostrar solidária com as causas, pois lamenta o impacto dos novos preços das corridas de táxi nos já baixos rendimentos dos cidadãos.
O Arreiou, cadeia de baixo custo com forte presença nos bairros periféricos, foi também dos mais afetados. Segundo fonte oficial da empresa, das 200 lojas que o grupo — pertencente à Refriango — tem na província de Luanda, mais de 70 foram alvo de arrombamentos, saques ou vandalismo desde segunda-feira.
“Com maior incidência em Cazenga, Viana, Kilamba, Camama e Talatona, onde o Arreiou tem uma presença próxima e constante junto das comunidades”, acrescentou.
Com reabertura da maioria das loja prevista para amanhã, o Arreiou irá reabrir faseadamente as que sofreram danos, “à medida que as condições de segurança e funcionamento forem restabelecidas”.
A cadeia, que representa mais de mil postos de trabalho diretos num universo de cerca de 4.000 colaboradores, reforçou também as medidas de segurança, sublinhando que a “Polícia Nacional tem sido um parceiro presente e fundamental para a estabilização da situação, que se encontra atualmente sob controlo”.
Já o presidente da Associação de Comerciantes Oeste Africanos, Mohamede Saidou Toucara, disse que não há ainda um número exato de cantinas pilhadas em Luanda, frisando que o próprio teve um armazém vandalizado, na zona do Calemba II.
Questionado sobre os prejuízos que teve, Mohamede Toucara responde: “é muito, mesmo, muito material”, e acrescenta que alguns empresários da Mauritânia foram igualmente afetados.
Em Angola, estes comerciantes lideram pequenos negócios, incluindo as populares lojas de conveniência, conhecidas localmente como “cantinas dos Mamadus”, numa alusão à sua crença muçulmana.
Também a cadeia de hipermercados Deskontão mantém três dos seus estabelecimentos encerrados “por questões de segurança, por se encontrarem em zonas periféricas”.
Nas redes sociais circularam igualmente imagens de ataques a outras cadeias, como a Angomart, pertencente ao grupo indiano Noble Group.
Até ao momento, as autoridades deram conta de 66 lojas vandalizadas e apelaram a todos os cidadãos que viram os seus bens danificados que se dirijam às esquadras da polícia para participarem os incidentes.
Leia Também: “Fiquei sem chão”: O drama de António após os tumultos em Luanda