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Os protestos contra a PEC da Blindagem e o movimento contrário à anistia, que tomaram as ruas e as redes brasileiras nesta semana, não podem ser entendidos apenas como reações espontâneas de cidadania. São, antes, expressões de uma política que se reconfigura sob o signo da tecnologia, da informação e do sentimento coletivo. A internet, à luz de Marx ao analisar as relações de produção e de poder em cada nova etapa da sociedade, não é mero instrumento: é campo de disputa e arena de hegemonia.
Philip N. Howard (2019) nos lembra que a política contemporânea é profundamente mediada por algoritmos e fluxos de dados. O alcance de uma mobilização não se mede apenas pela presença física, mas pela capacidade de navegar e dominar as arquiteturas digitais que regulam a atenção. No Brasil desta semana, hashtags, transmissões ao vivo e grupos de WhatsApp não foram coadjuvantes; foram ferramentas de luta, disputando espaço com bots, desinformação e campanhas de manipulação.
Como diria Maquiavel, o príncipe que não domina os instrumentos de poder corre o risco de ser subjugado; na política digital, dominar algoritmos e narrativas é a mesma coisa. A visibilidade, a amplificação, a capacidade de viralizar são armas modernas: quem não as controla, permanece à margem do debate público.
Zizi Papacharissi (2015) oferece outro ângulo: a política não se move apenas por dados, mas por afetos. O que circula nas redes não é informação neutra, mas indignação, esperança, medo e solidariedade. A esfera pública digital transforma indignação em ação, e cada post, cada vídeo ou hashtag funciona como ritual de pertencimento. O protesto contra a anistia não é apenas uma disputa legal ou política: é a encenação de uma ética coletiva, um clamor contra a injustiça, que pulsa e se espalha em cada tela.
Se combinarmos Howard e Papacharissi, percebemos que os protestos brasileiros são fenômenos híbridos:
1. Infraestrutura e poder: a política digital é marcada por algoritmos que decidem visibilidade, alcance e influência.
2. Afeto e engajamento: o mobilizador central é o sentimento coletivo, que transforma cidadãos comuns em atores políticos performativos.
Essa convergência revela algo que Bobbio enfatizaria: o poder não é só institucional, mas relacional. A PEC da Blindagem e a anistia não são apenas temas de lei; são testes da capacidade da sociedade de se organizar e resistir, de disputar narrativas, atenção e sentidos de justiça.
Em última análise, os protestos desta semana demonstram que a política não se esgota na rua nem na tela: ela existe na intersecção de ambas, na tensão entre estrutura e emoção, entre tecnologia e ética, entre manipulação e consciência coletiva. O futuro da democracia brasileira se joga nesse espaço híbrido — e é lá que se medirá a força real do engajamento cívico mediado pela tecnologia e redes.
Yuri Almeida é professor, estrategista político e especialista em marketing eleitoral.