O endividamento dos produtores rurais do Rio Grande do Sul ultrapassou os R$ 100 bilhões, impulsionado por sucessivos eventos climáticos extremos, queda na produtividade e encarecimento do crédito. Em meio à calamidade, produtores e lideranças do setor têm defendido a securitização das dívidas como forma de aliviar a pressão imediata. A proposta é que o governo federal lance R$ 60 bilhões em títulos públicos para comprar ou garantir essas dívidas.
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Apesar de legítima como bandeira política, a proposta esbarra em limitações constitucionais e fiscais. A Constituição veda a assunção de dívidas privadas pelo Estado, salvo em casos muito específicos. Além disso, uma emissão dessa magnitude poderia agravar a já delicada situação fiscal do país, elevando os juros e afastando investimentos.
O alerta sobre a fragilidade do modelo atual de financiamento não vem apenas do agro. O presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, declarou que a queda estrutural da poupança no Brasil exige que o país encontre novas fontes de financiamento ,ou seja, para setores estratégicos, como o imobiliário. Essa fala pode e deve ser lida também como um sinal para o agronegócio: o futuro do crédito rural dependerá, cada vez mais, da mobilização de capital privado e da articulação de instrumentos modernos de mercado.
Neste cenário, um passo importante já foi dado pelas principais entidades representativas do setor no Rio Grande do Sul — Farsul, Fetag-RS, FecoAgro/RS e Famurs — que apresentaram conjuntamente um pacote de 15 demandas emergenciais ao governo federal.
Entre os pontos centrais estão:
- alongamento das dívidas por 20 a 25 anos com juros de 3% ao ano;
- criação de linha emergencial de crédito com o mesmo patamar de juros;
- ampliação do Proagro para R$ 500 mil por CPF;
- suspensão imediata da cobrança de parcelas vencidas e vincendas do crédito rural;
- renegociação com bônus de adimplência para produtores atingidos por eventos climáticos;
- ampliação dos recursos e operacionalização ágil do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf);
- e ainda, reforço institucional aos fundos garantidores e seguro rural de cobertura ampla.
Essas propostas oferecem uma base concreta para a construção de soluções realistas, constitucionais e aplicáveis. Elas dialogam diretamente com as possibilidades de política pública e com instrumentos já utilizados em outros setores da economia.
Nesse contexto, é possível transformar a crise em oportunidade, buscando caminhos viáveis e juridicamente seguros para socorrer os produtores. Entre eles, destacam-se a criação de fundos garantidores regionais, nos quais a União e os estados compartilham o risco para destravar negociações com o sistema financeiro; a ampliação de linhas de crédito emergenciais com carência estendida e juros equalizados; e a securitização via mercado de capitais, por meio de Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs), com apoio parcial do governo para atrair investidores.
Outro caminho importante é a renegociação das dívidas com bônus de adimplência, oferecendo estímulo para quem honra os compromissos dentro de condições ajustadas à realidade do campo. Esses mecanismos já existem em outros setores e poderiam ser aplicados de forma ágil, sem romper o equilíbrio fiscal.
O momento exige responsabilidade e sensibilidade. O Rio Grande do Sul é um dos pilares da produção nacional de alimentos. Ignorar o drama vivido no campo é colocar em risco a segurança alimentar, as exportações e a retomada do crescimento. Ao mesmo tempo, oferecer soluções fantasiosas ou inconstitucionais apenas prolonga a crise.
É fundamental que lideranças do setor produtivo, do sistema financeiro, da CNA e do próprio governo sentem à mesa — não apenas para reagir à crise atual, mas para construir novos instrumentos de financiamento para o agro brasileiro. Talvez seja o momento de reunir, em um único espaço, os especialistas certos para repensar o futuro do crédito rural no Brasil com profundidade e visão estratégica.
É preciso reconhecer o mérito dos produtores, sua resiliência e sua contribuição para o Brasil, e agir com inteligência. A securitização, embora limitada, cumpre seu papel de visibilizar a gravidade da situação. Mas é com instrumentos modernos, combinando mercado e Estado, que o país poderá oferecer ao agro a resposta que ele merece: rápida, sólida e sustentável.

*Miguel Daoud é comentarista de Economia e Política do Canal Rural
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