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Falas abomináveis e alguns aspectos jurídicos

De acordo com a Polícia Federal, baseado em mensagens recuperadas de equipamentos eletrônicos do tenente-coronel, Mauro Cid, cinco militares tinham a intenção de matar o presidente da República, Lula; o vice presidente, Alckmin, e o ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes. Sem dúvida, o teor das mensagens é moralmente abominável. Nada justifica tirar a vida de uma pessoa – a não ser uma situação de legítima defesa, que não foi o caso. No entanto, por mais que o teor das mensagens sejam repudiáveis, o código Penal Brasileiro não considera o planejamento de um assassinato um crime em si. Tampouco não é crime cogitar tirar a vida de alguém.

Por exemplo, se descobrirem que pessoa tem intenções de matar alguém, não será crime. Se esse mesmo indivíduo elaborar uma série de planos para assassinar alguém – e for descoberto – também não será crime. Mais ainda: se ela sair para matar e desistir antes da ação, também não será considerado crime. É estranho, mas é assim o nosso código de leis. O planejamento de um crime só será considerado delito se na própria preparação do ato ocorrer uma infração penal. Por exemplo, se o indivíduo comprar uma arma ilegal para colocar em prática seu assassinato.

Nesse caso, o crime é da compra da arma ilegal que ocorreu durante o ato preparatório. No caso dos militares, tudo indica que houve associação criminosa, ou seja, juntar três ou mais pessoas com a finalidade de se cometer um crime. Se nessa associação ocorrer divisão de tarefas, aí teremos o crime de organização de tarefas. É sob esses aspecto que a situação complica para eles.

Outro ponto jurídico a ser observado é que as investigações estão sendo conduzidas pelo ministro Alexandre de Moraes, que é a suposta vítima. Seria razoável e sensato, para que não haja conflito de interesse, ou nenhuma hipótese de suspeição, passar o caso para outro ministro. Do jeito que está, fere o princípio do sistema acusatório (juiz e vítima devem ser figuras distintas). A condução e a relatoria por outro ministro, além de respeitar o ordenamento jurídico brasileiro, preservaria o próprio ministro Alexandre de Moraes. Todos sairiam ganhando.

Independentemente das questões técnico-jurídicas, existe uma confusão trazida por alguns setores da imprensa, misturando “cogitação” e “planejamento” com “tentativa de assassinato”. “Tentativa”, por definição, pressupõem que a ação tenha sido iniciada e, por uma alguma razão, tenha sido interrompida. As questões semânticas são importantes – até porque os crimes são tipificados de acordo com esses conceitos. Apesar disso, é inadmissível que pessoas de dentro do Estado tenham cogitado assassinar autoridades. A democracia avança no contraditório, nos argumentos, nos embates de ideias, e não sob a eliminação de seus adversários. 

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