A inadimplência no agronegócio brasileiro já virou um problema estrutural. Em 2024, foram 1.272 pedidos de recuperação judicial, mais que o dobro do ano anterior. Apenas nos três primeiros meses de 2025, houve alta adicional de 45%. Bancos e cooperativas de crédito registram crescimento recorde nos atrasos de pagamento, acendendo o alerta sobre a sustentabilidade do setor.
Quando o seguro falta, sobra dívida
O caso recente do Rio Grande do Sul é emblemático: após perdas climáticas severas, o governo criou um grupo de trabalho para discutir medidas de socorro ao endividamento dos produtores. Se houvesse cobertura ampla pelo seguro rural, boa parte dessas demandas emergenciais poderia ter sido evitada.
E não é a primeira vez: o país insiste em renegociações de dívidas sem sequer considerar o seguro rural como parte da equação. Renegociar hoje não resolve se amanhã outra seca ou enchente levar tudo de volta à estaca zero. O que falta são medidas estruturantes, não apenas respostas emergenciais.
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Seguro rural funciona mesmo com baixo apoio
Em 2024, menos de 15% da área plantada estava protegida por algum mecanismo de seguro rural ou Proagro. Isso significa que, a cada 100 hectares cultivados no país, 85 hectares ficaram totalmente expostos ao clima. Ainda assim, o seguro mostra resultados concretos.
Entre 2003 e 2024, mesmo com baixo apoio em subsídios, as seguradoras indenizaram produtores em valores atualizados equivalentes a R$ 37 bilhões, sendo mais da metade apenas nos últimos quatro anos.
Se o apoio governamental tivesse sido ampliado, os resultados poderiam ser ainda mais expressivos. Os estados que mais receberam indenizações foram Paraná, Rio Grande do Sul, São Paulo e Mato Grosso do Sul — justamente alguns dos maiores polos agrícolas do país que sofreram com as secas e outras adversidades do clima extremo.
Esses valores deixaram de ir para a mesa de prorrogações do crédito rural — sempre
muito mais onerosas para a União (sociedade), para o sistema financeiro e para o agricultor — em comparação com a via preventiva do seguro.
Orçamento que se perde no caminho
Um dos fatores que alimenta esse cenário de inadimplência é a instabilidade do Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR), do Ministério da Agricultura (Mapa). Criado para reduzir riscos climáticos e financeiros da produção agrícola, o programa vem sendo esvaziado por cortes, bloqueios e contingenciamentos orçamentários.
O PSR tinha orçamento de R$ 1,06 bilhão para 2025. Mas, na prática, o valor se reduziu
drasticamente:
- R$ 68 milhões foram usados para quitar parte das pendências de 2024, que ainda
somam R$ 32 milhões; - R$ 37 milhões foram efetivamente cancelados;
- R$ 354 milhões permanecem bloqueados desde junho, justamente no período de maior contratação das apólices de verão.
Assim, sobraram apenas R$ 601 milhões para operar o programa — montante já quase
integralmente consumido pela safra de inverno e por outras atividades no primeiro
semestre.
Menos seguro, mais risco
A descontinuidade tem reflexo direto na área segurada:
- 14 milhões de hectares protegidos em 2021;
- 7 milhões em 2024; e
- em 2025, a cobertura pode cair para menos de 3 milhões de hectares e retornar a
patamares de dez anos atrás, caso o MAapa não consiga reverter os valores bloqueados.
Menos seguro significa mais exposição do produtor. E mais exposição significa mais inadimplência, mais renegociações de dívidas e queda de confiança no crédito rural. É um círculo vicioso que ameaça a saúde financeira do setor.
Do socorro à prevenção
O Brasil continua adotando políticas reativas, acionando linhas emergenciais apenas após a ocorrência de perdas, o que é caro e ineficaz para resolver os problemas estruturais.
Em países com abordagem preventiva, o seguro rural é parte central da estratégia. Na Espanha, o Seguro Agrícola Combinado atua como política pública consolidada, com gestão compartilhada entre o Estado (Enesa), o sistema de resseguro público (Consorcio de Compensación de Seguros) e o setor privado (Agroseguro).
O 46º Plano de Seguros Agrários Combinados foi aprovado com dotação de 315 milhões
de euros, ou seja, R$ 2 bilhões, representando um aumento de 10,7% em relação a 2024. Entre 2014 e 2020, o governo espanhol destinou cerca de 2 bilhões de euros (R$ 12,6 bilhões em 7 anos) para subsídios ao seguro rural, sendo o país que mais investe nessa política na União Europeia.
Nos Estados Unidos, o seguro rural — via programa do Farm Bill — representa a política agrícola de maior escala. O programa de seguro agrícola custa cerca de US$ 10 bilhões por ano, com cobertura de 90% das terras elegíveis e subsídio de cerca de 62% do prêmio, o que garante proteção robusta e previsibilidade ao setor.
Um pacto de longo prazo
O Brasil precisa reavaliar sua estratégia agrícola. Com dimensões continentais e papel central no abastecimento global, o país não pode se sustentar com políticas frágeis e improvisadas. É necessário construir um pacto de longo prazo que assegure:
- Previsibilidade e capacidade de expansão orçamentária do PSR;
- Gestão de riscos eficaz, com maior alcance e adesão;
- Sustentabilidade do crédito rural, preservando a confiança de produtores, bancos e cooperativas.
O seguro rural não é gasto: é investimento em resiliência. Sem ele, o Brasil corre o risco de ver o motor do seu agronegócio engasgar justamente quando mais precisa acelerar.

*Pedro Loyola é consultor em gestão de riscos agropecuários e financiamento sustentável e coordenador executivo do Observatório do Seguro Rural da FGV Agro.
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