O nascimento das Nações Unidas em 1945 e um mundo organizado por regras claramente estabelecidas iludiu muitos líderes e cidadãos sobre o futuro das relações internacionais. Após o conflito mais sangrento da história concluído com dezenas de milhões de mortos, a esperança do desenvolvimento da diplomacia mais humanizado teve, de fato, alguns frutos com a descolonização da África, a criação da União Europeia e campanhas de saúde pública de impacto global. Contudo, a galopante Guerra Fria, levou o mundo novamente a um estado de tensão bélica, que se concretizou pontualmente em múltiplas guerras por procuração a mercê das duas superpotências daquela época, Estados Unidos e União Soviética.
Com o fim da URSS, e a ascensão da Rússia como a herdeira direta do robusto arsenal nuclear soviético, a animosidade entre norte-americanos e russos se reduziu a uma diplomacia pragmática, porém, efetiva. A perda de importância econômica dos russos, todavia, fez com que a hegemonia americana não fosse contestada em outros aspectos além do militar e por três décadas esse novo status quo foi gradualmente aceito como o padrão.
O crescimento vertiginoso da economia chinesa, já projeta quem será a nova superpotência a rivalizar com os Estados Unidos, mas 5000 ogivas nucleares ainda tornam a Rússia uma nação impossível de se ignorar.
A invasão em larga escala da Ucrânia em 2022, fez novamente com que os blocos da era soviética se formassem, com um rearranjo em sua configuração. Sem aliados de peso na Europa e com algumas de suas ex-repúblicas agora integrando a OTAN, a Rússia, se viu em uma posição de isolamento tático, mas nada que impedisse seu poderoso exército de alcançar ganhos territoriais importantes dentro da Ucrânia. A resistência ucraniana, por mais que nobre em sua resiliência, não conseguiu evitar a anexação forçada de 1/5 de seu território pela Rússia, e em um momento de grande fragilidade das tropas de Kiev, buscar o menor dos males, parece ser a única solução.
Apesar de ter completa ciência de sua incapacidade militar de reverter a situação nas trincheiras, a Ucrânia, esperava pelo menos poder ter parte de suas demandas consideradas antes de baixar definitivamente suas armas. Com a chegada de Donald Trump à Casa Branca, essa formalidade moralmente necessária, parece ter se tornado meramente uma opção.
Hoje na Arábia Saudita, Marco Rubio, Secretário de Estado norte-americano, e Sergei Lavrov, Chanceler russo, realizaram o primeiro encontro oficial para discutir um possível desfecho para a guerra no Leste Europeu. A maneira espontânea como tudo ocorreu, a escolha do país para sediar a cúpula e a ausência de qualquer oficial ucraniano, nos dão fortes indícios que a resolução desta guerra seja apenas mais um item na lista de obrigações do presidente republicano. Por enquanto, nada foi oficialmente divulgado a respeito de reconfigurações territoriais, forças de paz e compensações econômicas, mas as circunstâncias desta primeira reunião mostram que assim como na segunda metade do século XX, as mesas de negociação são espaços onde os “fracos” não tem vez. Embora, o presidente Volodymir Zelensky, o presidente turco Erdogan e outras lideranças europeias tenham se colocado de forma frontalmente contrária a uma paz outorgada sem a presença da nação invadida, para homens como Donald Trump e Vladmir Putin, nada realmente importa.
As lições tiradas das últimas semanas e enfatizadas no dia de hoje, fazem com que muitas nações reconsiderem as suas reais posições perante as grandes potências, fazem com que a assimetria de um mundo sem unidade institucional sublinhe a ilusão criada pelas Nações Unidas, e principalmente nos relembram que só com alguns milhares de ogivas nucleares que se têm um assento garantido a qualquer mesa.