Em conferência de imprensa, Guy Ryder apresentou novos detalhes da “Iniciativa UN80”, uma força de trabalho interna que visa mudanças estruturais na ONU e um escrutínio rigoroso da própria organização multilateral, quando enfrenta uma crise de liquidez devido a reduções significativas nas contribuições de países como os Estados Unidos.
A iniciativa inclui um novo orçamento para a ONU, a entrar em vigor no início de 2026, realocação de funções, uso de Inteligência Artificial (IA) na reestruturação da ONU, entre outras mudanças.
A ONU, que celebrou na semana passada 80 anos desde que a Carta fundadora foi assinada, estimou que os recursos em todo o sistema das Nações Unidas diminuam até 30% este ano em comparação com 2023, o que pressupõe um recuo aos níveis observados pela última vez há 10 anos.
Esses cortes terão impacto direto na capacidade da ONU de ajudar aqueles que mais precisam ao redor do mundo, estimando que “pelo menos 30 milhões e, potencialmente, quase 60 milhões de vidas” sejam afetadas.
Neste momento, o secretariado da ONU está a operar com 83% do orçamento, indicou Guy Ryder.
O responsável por liderar a “Iniciativa UN80” especificou que um orçamento revisto para o Secretariado-Geral será apresentado em setembro e implicará cortes de postos de trabalho de 20% e uma redução de 15% a 20% no seu orçamento.
“O importante neste processo de revisão em que o secretário-geral [António Guterres] se está a envolver é que não resultará num corte de 20% em todos os departamentos”, frisou Ryder.
“Não é uma solução única para todos [os departamento da ONU]. Em vez disso, o secretário-geral está a rever as contribuições e determinará se certos serviços e certas atividades precisam de ser protegidas ou não, precisam de ser sujeitos ao rigor total dos cortes de 20%, ou se pode ser necessário um esforço maior”, explicou, esclarecendo ainda: “Não é um corte simples, irrefletido e generalizado”.
Além de cortes nas contribuições voluntárias de Estados-membros, a ONU sofre com as contribuições orçamentais regulares, ou seja, com atrasos e diminuições nas contribuições obrigatórias de alguns Estados-membros.
De acordo com o porta-voz de Guterres, Stéphane Dujarric, apenas 112 dos 193 Estados-membros da ONU pagaram as contribuições na totalidade este ano.
Estes atrasos têm reflexo direto na capacidade da ONU operar em pleno, à qual se junta o impacto dos cortes de financiamento de nações como os EUA, país que acolhe a sede da instituição, em Nova Iorque, e o maior doador.
Desde que regressou à Casa Branca, em janeiro deste ano, Donald Trump têm-se afastado da ONU e manifestado intenção de reduzir significativamente as contribuições.
O contributo de Washington para o sistema das Nações Unidas tem sido historicamente crucial, sobretudo na área humanitária: só em 2024, último ano do mandato presidencial de Joe Biden, os EUA contribuíram com 40% da resposta humanitária internacional.
Questionado sobre como os EUA estão envolvidos em todo este processo de cortes, Ryder respondeu que estão a acompanhar os ‘briefings’ “com interesse”.
Apesar da sede da ONU ser em Nova Iorque, Guy Ryder confirmou que as Nações Unidas estão a avaliar realocações de determinadas funções para locais de menor custo.
“Pode ser para locais onde a ONU já tem presença. Temos um certo grau de infraestruturas. Temos um conjunto fiável de condições que nos permitiriam funcionar eficazmente. Portanto, é um processo muito cuidadosamente considerado. Mas, como disse, ainda nenhuma decisão foi tomada”, sublinhou.
Ryder disse ainda aos jornalistas que a ONU está “a começar a encontrar benefícios muito úteis” na aplicação da IA na reestruturação da ONU.
“A minha opinião é que, se levamos a sério a eficiência e a eficácia, precisamos de adotar aplicações de IA. Neste sentido, não acredito que sejamos diferentes de qualquer outro local de trabalho que já esteja a adotar a IA de forma cada vez mais rápida. E isso terá implicações na forma como a organização funciona”, disse.
“A ideia é que as Nações Unidas saiam deste processo, nestes tempos turbulentos, mais bem equipadas e mais fortes para enfrentar os desafios atuais e futuros”, considerou Ryder.
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