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Articulação emperra sem a liberação de emendas

As duras derrotas do governo no Congresso, na semana passada, demonstraram que os presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), impuseram um limite à articulação política do Palácio do Planalto. Sem o pagamento das emendas bilionárias, não haverá cargo na Esplanada — no primeiro ou segundo escalão de ministério nem estatais e autarquias — que garantirá o apoio dos líderes partidários em ambas as casas do Legislativo. A situação é crítica, segundo parlamentares ouvidos pelo Correio ao longo da semana, especialmente porque o apoio a um governo em franca queda de popularidade custa caro, ainda mais em véspera de ano eleitoral.

Até o último dia 23, dois dias antes da derrubada do decreto que aumentou o Imposto sobre Operações Financeiras, o governo havia pago apenas R$ 7,52 bilhões em emendas, sendo que mais de 99% desse valor é referente a anos anteriores. O valor em emendas deste ano é considerado ínfimo pelos deputados e senadores: R$ 408 milhões — menos de 1% do total.

Na sexta-feira, Motta e Alcolumbre não compareceram à audiência convocada pelo ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), para tratar das emendas — e não se justificaram. A representá-los, os advogados Jules Michelet Queiroz (pela Câmara) e Gabrielle Tatith Pereira (pelo Senado). A ausência dos presidentes da Câmara e do Senado foram entendidas, nos bastidores do STF, como um protesto pela retenção dos recursos.

Os alertas da ministra Gleisi Hoffmann, da Secretaria de Relações Institucionais, sobre a derrubada do decreto do IOF impactar diretamente na liberação de emendas, soaram como ameaça. Agora, com ou sem espaço orçamentário, o governo só conseguirá melhorar a relação com o Congresso se abrir o cofre. Para o deputado Danilo Forte (União Brasil-CE), o Executivo precisa repensar a negociação de políticas públicas com o Parlamento e ouvir mais.

“As relações mudaram. A forma de o Executivo conversar com o Legislativo é diferente. É preciso ter um diálogo na formatação de projetos de políticas públicas. É preciso um diálogo permanente. O mundo todo mudou com relação a isso, com o advento das redes sociais. A presença constante das cobranças e do diálogo é uma realidade. E isso também se reflete na vida política. Então, não é mais aquela imposição do tipo ‘quero desse jeito e vai ser desse jeito’”, advertiu, em conversa com o Correio.

O aumento de impostos para bancar a subida dos gastos obrigatórios, frisou Danilo Forte, não será mais aceito pelo Parlamento, que há anos tenta emplacar o discurso de que não quer onerar mais o contribuinte — apesar de, na mesma noite em que derrubou o decreto do IOF baixado pelo governo, aumento o número de deputados de 513 para 531. Agora, os partidos com cargos na Esplanada também aderiram ao coro.

“Os partidos que mais votaram contra são os que tinham, inclusive, ministros nas bancadas. E o que falta é um diálogo na construção da política pública. Acho que o Lula, pelo momento que está vivendo, está sem aptidão para esse diálogo. Ele é bom nisso, mas está preferindo fazer de uma forma diferente e isso está criando dificuldades”, analisou.

Para o deputado Coronel Chrisóstomo (PL-RO), que relatou o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) do IOF, a postura do Executivo dificulta qualquer diálogo. “O governo do presidente atual está se mostrando para que veio: um governo que desrespeita a questão do Congresso, se alia a outros poderes, toma decisões totalmente contrárias ao que o povo brasileiro quer. O povo brasileiro quer um governo que gaste menos, que gaste tudo pautado dentro do planejado, dentro do orçamento. E esse governo não faz isso”, disse o bolsonarista ao Correio.

O líder da oposição na Câmara, deputado Zucco (PL-RS), diz que o Congresso deve ajudar a apontar soluções para o equilíbrio fiscal, mas as saídas apresentadas pela gestão Lula, em sua análise, não resolvem o problema do crescimento dos gastos. “O problema é que o governo Lula não aponta nenhum caminho real de corte de despesas. É uma máquina inchada, com quase 40 ministérios, gastos abusivos com viagens, passagens e estrutura. Não há disposição para cortar na própria carne”, criticou o bolsonarista. “Em vez disso, (o governo) segue insistindo no aumento de impostos e, agora, ameaça judicializar uma decisão legítima e soberana do Congresso, como no caso do IOF. A única saída do governo tem sido jogar a conta no colo da população. O Congresso está dando um recado claro: basta de aumento de carga tributária. O Brasil precisa de responsabilidade com o dinheiro público, não de mais confisco disfarçado de gestão”, acrescentou.

Apetite

Se, de um lado, os parlamentares dizem que o Executivo perdeu a capacidade de articular, de outro, os governistas culpam o apetite dos deputados do Centrão pela dificuldade de construir acordos. Para o deputado federal Rui Falcão (PT-SP), candidato à presidência do partido, o atual momento do governo com o Congresso é fruto da pressão de legendas que querem romper com o Palácio do Planalto.

“Atualmente, estamos cercados por fora e minados por dentro. Pode ser alguém que quer dar recado, (fazer) represália. Mas, por outro lado, já há uma articulação em andamento com duplo sentido: ou para nos derrotar, fazendo com que a gente adote um programa que não é o nosso — é o da classe dominante —, ou é uma articulação em andamento também para criar uma candidatura, provavelmente do governador de São Paulo (Tarcísio de Freitas, do Republicanos), para aglutinar forças que estão no governo contra nós”, explicou, em conversa com o Correio.

Rui Falcão acrescenta: “Em alguns casos, não estão fazendo segredo. Estão anunciando o desembarque, só analisando qual é o melhor momento. Então, é preciso romper essa dependência, ter um outro tipo de articulação que envolva a população. Acho que é o momento, também, de o nosso partido começar a dialogar mais com a população para pressionar, no sentido democrático, os parlamentares. Não tem explicação para essas votações”, avalia.

Na votação da derrubada do decreto do IOF, na
quarta-feira passada, parlamentares da base governista acusaram o
Parlamento de ter realizado a votação às pressas e sem diálogo com a
liderança. O líder do PT na Casa, deputado Lindbergh Farias (RJ), chegou
a classificar como “estranha” a forma como Hugo Motta decidiu pautar o
tema. No plenário, disse que a derrubada era inconstitucional.Segundo ele, os líderes governistas só foram informados
da inclusão do projeto na pauta por meio de uma publicação que Motta
fez no X (antigo Twitter), por volta das 23h35 da terça-feira passada. 
“Fomos pegos de surpresa por um tuíte. Um tema dessa gravidade precisava
ter sido discutido no Colégio de Líderes. A maior parte dos deputados
sequer está em Brasília”, criticou.Erika Kokay (PT-DF), por sua vez, não vê uma fraqueza
do governo. Para ela, o que parte do Congresso faz são “imposições
contra o povo brasileiro”, protegendo os interesses da parcela mais rica
da população e rejeitando qualquer tentativa de reforma tributária
progressiva.”Eles têm uma resistência imensa de colocar o rico no
orçamento. Eles são contra taxar as grandes fortunas. Quando dizem
‘nenhum imposto a mais’, é nenhum imposto para quem tem muito dinheiro”,
ironizou.

Para a parlamentar, há compromisso do governo Lula com o equilíbrio fiscal, mas isso, em sua avaliação, deve estar atrelado à justiça social. O que a oposição propõe, segundo Kokay, é cortar em benefícios sociais e punir os mais pobres. “É preciso colocar o pobre no orçamento e o rico no imposto de renda. Eles (a oposição) miram seus canhões cruéis contra a população mais pobre deste país. Enquanto isso, constroem um cordão de proteção às grandes fortunas”, acusa.

“Ajuste geral”

Na tentativa de amenizar a relação entre os poderes, o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), defendeu, em entrevista concedida logo depois da derrubada do decreto que aumentava o IOF, a elaboração de um “ajuste geral” na articulação política e a recomposição da base no Congresso. Segundo ele, o desgaste atinge tanto a Câmara quanto o Senado.

Guimarães afirmou que a ministra Gleisi deverá chamar todos os partidos para o diálogo. Apesar da crise, ele negou rompimento com o Congresso e destacou que, no mesmo dia da derrota, o governo teve vitórias importantes, como a aprovação de quatro medidas econômicas.

Questionado sobre o papel de Hugo Motta e Davi Alcolumbre, Guimarães criticou a falta de transparência na sessão que derrubou o decreto do governo de aumento do IOF. Conforme avaliou, a votação foi acelerada sem aviso antecipado ao governo e, pior, decidida por um grupo restrito de líderes. “Na relação institucional, tem que haver lealdade e compromisso com a verdade. Quando isso falha, complica”, lamenta.

O líder também minimizou o impacto da derrota, reforçando que é hora de deixar “baixar a poeira” e discutir os próximos passos. Guimarães ressaltou que a articulação política deve ser reforçada, mas que a responsabilidade pela relação com o Congresso não recai apenas sobre Lula: “O presidente tem feito sua parte institucional. A articulação é minha, da Gleisi e do (senador) Jaques Wagner”.

Guimarães acusou, ainda, a influência do mercado financeiro sobre deputados como um dos fatores da crise, criticando a atuação de setores que, segundo ele, se calam diante de isenções bilionárias enquanto atacam medidas progressivas. “O discurso deve ser a defesa dos pobres e a cobrança dos super-ricos, que precisam pagar a conta”, cobrou.

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